[...] sou o tipo de sujeito que gosta de estar sozinho consigo mesmo. Para dizer de um modo mais agradável, sou o tipo de pessoa que não acha um sofrimento ficar só. Não acho que passar uma ou duas horas correndo sozinho todos os dias, sem falar com ninguém, além de passar quatro ou cinco horas sozinho em minha mesa, seja difícil nem chato. Tenho essa tendência desde que era mais novo, quando, caso tivesse escolha, preferia ficar sozinho lendo um livro ou concentrado ouvindo música a estar na companhia de alguém. Sempre fui capaz de pensar em coisas para fazer quando estou sozinho. Mesmo assim, depois de ter me casado muito jovem (eu estava com vinte e dois), gradualmente me acostumei a viver com outra pessoa. Depois que saí da faculdade fui dono de um bar, então aprendi a importância de estar com outros e a questão óbvia de que não podemos sobreviver sem a companhia alheia. Pouco a pouco, então, embora talvez interpretando a coisa a meu próprio modo particular, por meio da experiência pessoal descobri como ser sociável. Olhando em retrospecto para essa época, hoje, consigo ver que dos vinte aos trinta minha visão de mundo mudou, e amadureci. Ao meter o nariz em todos os tipos de lugar, conquistei as habilidades práticas de que precisava para viver. Sem esses dez duros anos não acho que eu teria escrito romances e, mesmo que tentasse, não teria sido capaz de fazê-lo. Não que a personalidade das pessoas mude assim tão dramaticamente. O desejo que há em mim de permanecer sozinho não mudou. Eis por que a hora e pouco que passo correndo, preservando um tempo só meu, em silêncio, é importante para me ajudar a manter o bem-estar mental. Quando estou correndo, não preciso conversar com ninguém e não tenho de escutar ninguém falando. Tudo que tenho a fazer é olhar a paisagem que passa por mim. Essa é uma parte de meu dia sem a qual não consigo viver.
— Do Que Eu Falo Quando Falo de Corrida by Haruki Murakami (9%)