diegopds reviewed O mito de Sísifo by Albert Camus
É preciso imaginar Sísifo (muito) puto!
Publicado originalmente em: curadoria.bearblog.dev/o-mito-de-sisifo-albert-camus/
Publicado em 1942, O mito de Sísifo (no original, Le Mythe de Sisyphe) é um ensaio do escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus (1913-1960) que trata do absurdo: a contradição entre o que o ser humano espera e aquilo que o mundo lhe entrega. Diante disso, surge o problema filosófico do suicídio e sua alternativa: a revolta. Esta última lhe entrega desafio e satisfação ao lado da liberdade e da responsabilidade de transformar o mundo a sua volta, dentro de suas limitações.
FIM [1]
Ainda no prefácio, o próprio autor enquadra o livro, dentro de sua obra, como uma forma ideológica dentro de uma expressão negativa:
Observa-se logo na abertura da primeira parte ("Um raciocínio absurdo"), a afirmação de Camus sobre não trazer nenhuma metafísica tampouco crença. E já no início do primeiro capítulo, ("O absurdo e o suicídio"), solta …
Publicado originalmente em: curadoria.bearblog.dev/o-mito-de-sisifo-albert-camus/
Publicado em 1942, O mito de Sísifo (no original, Le Mythe de Sisyphe) é um ensaio do escritor e filósofo franco-argelino Albert Camus (1913-1960) que trata do absurdo: a contradição entre o que o ser humano espera e aquilo que o mundo lhe entrega. Diante disso, surge o problema filosófico do suicídio e sua alternativa: a revolta. Esta última lhe entrega desafio e satisfação ao lado da liberdade e da responsabilidade de transformar o mundo a sua volta, dentro de suas limitações.
FIM [1]
Ainda no prefácio, o próprio autor enquadra o livro, dentro de sua obra, como uma forma ideológica dentro de uma expressão negativa:
Observa-se logo na abertura da primeira parte ("Um raciocínio absurdo"), a afirmação de Camus sobre não trazer nenhuma metafísica tampouco crença. E já no início do primeiro capítulo, ("O absurdo e o suicídio"), solta a emblemática afirmação:
Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia.
Tal questão é levantada pelo inevitável questionamento acerca do sentido da vida: "Começar a pensar é começar a ser atormentado". Ou, como diria a canção: "Só os que não pensam têm a consciência limpa". [2] De fato, há quem acredite que a vida possua um sentido "x", sendo ele o único válido e/ou existente. Ao constatar sua vivência no modo "y" ou "z", julga estar no caminho errado. Sobretudo, em comparação com o modelo preconizado nas redes sociais, que é superficial e, muitas vezes, irreal.
Somam-se a isso as expectativas e, quando elas não são contempladas, encaramos o absurdo (abismo? [3]) de um mundo indiferente aos nossos(?) anseios. Neste momento, podemos dizer que a realidade superou o ser humano. A partir daí, o que fazer?
A primeira alternativa seria o suicídio, pois o absurdo depende do binômio: ser humano + mundo; a segunda, descartada por Camus, seria o suicídio filosófico, que exige um sacrifício do intelecto e remete as contradições não ao absurdo, mas a Deus.
Realmente, o dogmatismo livra o ser humano de um peso que ele precisa carregar sozinho. É o que se vê na obra de Kant: "A menoridade é a incapacidade de se servir do entendimento sem a orientação de outrem [...] do mau uso dos seus dons naturais são os grilhões de uma menoridade perpétua". [4]
A fim de superar essa menoridade e alcançar o esclarecimento é preciso sair da inércia cotidiana, fazendo algum esforço mental para tanto. Como exemplo, pode-se citar a passagem a seguir, de Como ler livros: "É preciso enfrentar livros que estão além de sua capacidade, ou, como dissemos, livros que estão acima de você. Somente os livros desse tipo vão levá-lo a ampliar sua mente. E, a menos que você a amplie, não aprenderá". [5]
Em segundo lugar, temos a revolta, adotada pelo autor. Ela consiste na certeza de um destino esmagador, mas não de aceitá-lo com resignação. A luta e o desafio diante das adversidades do mundo proporcionam satisfação ao ser humano. Esta é a liberdade absurda, pois o homem só pode viver coexistindo com o absurdo: ambos "vivem vidas diferentes, mas partilham do mesmo mundo". [6]
O papel da arte, para Camus, não é um refúgio diante do absurdo, mas a superação dos temores e aproximar o homem de sua realidade nua e crua. Também deixa claro que "Carecer de esperança não equivale a se desesperar", pois "homens que pensam com clareza [...] não esperam nada". Pelo contrário, atuam no mundo transformando-o, inclusive usando a própria arte que criam.
Na parte derradeira do livro, temos a alusão ao mito de Sísifo [7] e um paralelo com o mundo contemporâneo:
não há castigo mais terrível que o trabalho inútil e sem esperança [...] Este mito só é trágico porque seu herói é consciente. O que seria a sua pena se a esperança de triunfar o sustentasse a cada passo? O operário de hoje trabalha todos os dias de sua vida nas mesmas tarefas, e esse destino não é menos absurdo. Mas só é trágico nos raros momentos em que se torna consciente. Sísifo ensina a fidelidade superior que nega os deuses e ergue as rochas. Também ele acha que está tudo bem. Esse universo, doravante sem dono, não lhe parece estéril nem fútil. Cada grão dessa pedra, cada fragmento mineral dessa montanha cheia de noite forma por si só um mundo. A própria luta para chegar ao cume basta para encher o coração de um homem. É preciso imaginar Sísifo feliz.
Aqui, nos deparamos com um dos trechos mais fortes da obra. Especialmente para aqueles que já tiveram a amarga experiência de exercer um trabalho inútil ou já se questionaram acerca do sentido da vida. Para a maioria, o dogma dá um horizonte de longo prazo a ser perseguido enquanto "pão e circo" suprem as necessidades vitais imediatas.
Nesse sentido, há que se tomar cuidado com a utilização exaustiva da frase derradeira, "É preciso imaginar Sísifo feliz", de forma descontextualizada. Uma vez que isso pode trazer uma conotação de conformismo e passividade, algo que destoa completamente daquilo que Camus defende no livro.
Quem se mete em tiroteio... tem que esperar bala. Mas não tem que gostar disso. [8]
Portanto, além de se opor ao dogmatismo, escolhe a revolta como resposta para o problema filosófico fundamental colocado no início do ensaio. Ela, a revolta, se concretiza com a ação do homem no mundo material, tocando seus projetos, sendo este desafio sua força motriz.
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Ficha técnica
Título: O mito de Sísifo
Título original: Le mythe de Sisyphe
Autor: Albert Camus (1913-1960)
Editora: Record
Ano: 2019
Ano da publicação original: 1942
ISBN: 9788501117427
Tradução: Ari Roitman e Paulina Watch
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Música: "Happy Absurdity" (ROT)
Devoid of hopes
I stared into the abyss,
I watched this time
Ready to devour me
Grim reality
That's what remained
But instead of horror
Happiness as never before!
Now I understand this absurd happiness
Cause that's all that there is!
I feel happy as never before,
In front of it the whole world stops!
Grim reality
That's what remained
But instead of horror
Happiness as never before![^9]
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Notas
[1] A intenção aqui era só fazer um gracejo com esse meme, mas lendo a descrição do vídeo, descobri que os créditos (não a música) são de um documentário chamado "A Revolta" (2010), dirigido por João Marcelo Gomes e Aly Muritiba. Achei uma coincidência bem curiosa.
[2] DEVOTOS. Hora da Batalha. Independente, 2003, Faixa 13: "Só os que não pensam têm a consciência limpa". Disponível em: https://youtu.be/ahU5O0uyuEI?t=1386. Acesso em: 01 set. 2024.
[3] NIETZSCHE, Friedrich. Além do bem e do mal. São Paulo: Companhia das Letras, 2005. §146: "Quem combate monstruosidades deve cuidar para que não se torne um monstro. E se você olhar longamente para um abismo, o abismo também olha para dentro de você".
[4] KANT, Immanuel. Resposta à pergunta - Que é o Iluminismo. p. 1-2; tradução: Artur Morão. www.lusosofia.net. Disponível em: https://lusosofia.ubi.pt/textos/kant_o_iluminismo_1784.pdf. Acesso em: 01 set. 2024.
[5] ADLER, Mortimer J. DOREN, Charles Van. tradução: Eduardo H. Wolff e Pedro Sette-Câmara Como ler livros. São Paulo: É Realizações, 2010 (Coleção Educação Clássica). p. 340.
[6] WOLFBRIGADE. Prey to the world. Faixa 11: "Prophet of Woe". Disponível em: https://youtu.be/Xs5_B3NirjQ?t=46. Acesso em: 01 set. 2024, 00:46: "I see your mouth move / But I don’t understand a word / We're living different lives / But we share the same world".
[7] Para quem não conhece, trata-se de um personagem da mitologia grega cujo castigo, por tentar enganar a Morte, foi: "rolar uma enorme pedra até o alto de um morro, mas quando já se encontrava bem avançado na encosta, a pedra, impelida por uma força repentina, rolava de novo para a planície. Sísifo a empurrava de novo morro acima, coberto de suor, mas em vão". In: BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis [recurso eletrônico]. Rio de Janeiro: Ediouro, 2006, posição 4500.
[8] JUSTICEIRO/BATMAN: CAVALEIROS MORTÍFEROS. São Paulo: Abril Jovem, 1996. p. 32.
[9] ROT. A Long Cold Stare. São Paulo: 2+2=5 Records, 2003. Faixa 4: "Happy Absurdity". Disponível em: www.youtube.com/watch?v=TKZ0_UNSDRw. Acesso em: 01 set. 2024.