Finalmente terminei a leitura desta obra monumental. Leitura esta, aliás, iniciada logo após o término de outra obra fantástica, "Memórias da Segunda Guerra Mundial", de Winston Churchill, o que me proporcionou, de certa maneira, uma espécie de "visão dos dois lados".
Em "Hitler", o historiador britânico Ian Kershaw nos conduz desde a infância do futuro ditador, na Áustria e em um lar dominado por um pai explosivo, até seus últimos instantes, no bunker de Berlim.
Independentemente de qualquer outra coisa, o livro deixa bem claro que Hitler, sob diversos aspectos, não tinha "nada de mais". Ele era, nas palavras do próprio autor, quase um "iletrado". Alguém que, na Primeira Guerra Mundial, havia sido um mero cabo. Alguém que, posteriormente, quando no comando do país que acabou por levar à ruína, cometeu erros crassos e tinha mania de culpar os outros quando se deparava com problemas resultantes de suas falhas.
Para Kershaw, Hitler não teria sido nada, se tivesse nascido em algum outro tempo e/ou local. O "agitador de cervejarias", que chegou a almejar um futuro como pintor ou arquiteto, foi até mesmo rejeitado pela Academia de Artes de Viena, pois alegaram que ele não tinha talento. Talvez o único "talento" de Hitler tenha sido sua capacidade de falar às massas, mobilizá-las e "extrair" delas tudo aquilo que havia de mais negro, de mais sórdido.
A excelente biografia nos mostra que o "Führer" foi, isto sim, agraciado com uma série de fatores (além de uma altíssima dose de sorte) que, combinados, permitiram sua chegada ao poder e resultaram então nos horrores que marcaram o século XX.
No livro podemos acompanhar como Hitler se aproveitou em grande medida da miséria e do sofrimento do povo alemão, bem como da humilhação resultante dos termos do Tratado de Versalhes, tendo em vista propagar e confirmar seus próprios preconceitos e teorias da conspiração.
Se apresentando como uma espécie de "Messias", alguém que conduziria a Alemanha a um futuro glorioso, quase sempre sem ideias palpáveis, sem plano de governo e muitas vezes transbordando brutalidade irracional, Hitler enxergava no "bolchevismo" o "inimigo número 1 do povo alemão", e foi justamente no enfrentamento de tal inimigo que ele acabou condenando à morte milhões de alemães no front oriental.
Alguns trechos do livro são até mesmo chocantes em seu retrato nu e cru da realidade, como por exemplo quando se trata de descrever a barbárie contra os judeus, povo este que, aliás, era o grande "inimigo da Alemanha", na visão distorcida de Hitler, e estava por trás inlcusive dos "bolcheviques". E, sim, não faltam também as teorias da conspiração, como a crença em uma "organização mundial judaica que visava tomar o controle do mundo".
O livro também deixa bem claro o papel de alguns dos figurões do regime nazista em meio à complicada, bagunçada e lastimável máquina governamental do Reich Alemão, como Göring, Goebbels, Ribbentrop, Himmler e vários outros, além de explicar como e porque, independentemente de qualquer outra coisa, Hitler foi o principal responsável pela queda na barbárie de uma sociedade outrora elevada e culta.
A obra vai além, entretanto, e destrincha vários "mecanismos" existentes na época que explicam porque, mesmo quando não envolvido diretamente, o ditador foi, sim, o grande responsável pelas atrocidades cometidas por seu regime. Afinal de contas, de um jeito ou de outro, os nazistas no Terceiro Reich visavam sempre "trabalhar para o Führer".
Em suma, esta biografia é verdadeiramente monumental, e mostra, certamente, um "outro lado" da Segunda Guerra Mundial, com foco no homem responsável direta ou indiretamente pela morte de milhões de inocentes.